Até pouco tempo, a esquerda foi aconselhada a fazer reflexões de que estaria desconectada com a sociedade. O resultado estaria no desempenho pífio das urnas e no avanço do Centrão. A performance do PT acendeu o sinal de alerta e trouxe novamente a crítica de Mano Brown de 2018: “Se somos o Partido dos Trabalhadores, tem que entender o que o povo quer. Se não sabe, volta pra base e vai procurar entender”. A questão é que até mesmo estas bases se esvaíram.
Parecia difícil pensar em reconexão com grupos populares, quando percebia-se que a direita avançava com ideias bem mais sedutoras. Enquanto o foco do PT deixou de ser a base para se tornar um partido burocrático de olho apenas nas eleições para presidente, surgiram figuras de campos antagônicos capazes de apresentar “soluções” do tipo trabalho por conta própria, ou o chamado empreendedorismo.
Este panorama foi apresentado nas urnas. Em São Paulo, o candidato Guilherme Boulos (PSOL) ainda buscou pegar carona na temática, tentou reorientar as velas, mas em vão. Enquanto, a esquerda dedicou-se muito tempo às discussões de identitarismo e linguagem neutra, o Centrão avançou em necessidades mais urgentes.
Como bem alertou um dos maiores nomes do campo progressista da América do Sul, o ex-presidente do Equador Rafael Correa, a ênfase da esquerda latino-americana em temas identitários e morais geram divisões e desviam o foco do que é fundamental: a discussão sobre pobreza e desigualdade. “É uma estratégia do norte, da Direita, colocar para nós estes temas conflituosos para nos distrair do essencial: que estamos no continente mais desigual do planeta”, afirmou em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.
Assim, não partiu do PT, mas foi do PSOL a proposta mais relevante da esquerda dos últimos momentos. O enfrentamento histórico e necessário da esquerda diante de estrutura conservadoras e escravistas ressurgiu. A partir do balconista Rick Azevedo, nasceu o movimento que levantou a pauta contra a escala 6×1 de trabalho. Candidatou-se com esta bandeira no Rio de Janeiro e foi o vereador mais bem votado do partido, com 29.364 votos.
O tema ganhou a Câmara Federal e tomou as redes sociais. A deputada Erika Hilton (PSOL-SP) apresentou Proposta de Emenda à Constituição (PEC) neste sentido, para reduzir a jornada de trabalho no Brasil. Mais que por fim à lógica de seis dias trabalhados para um de folga, ela pretende alcançar quatro de trabalho para três de folga.
Claro que o assunto merece amplo debate. Porém, a esquerda acertou muito ao trazer um tema que envolveu a todos e impõe a divergência com classe empresarial contrária à proposta. Aliás, lobbies neste sentido já começaram, sobretudo, daqueles que acreditam que pequenos comerciantes não conseguirão manter escalas de trabalhadores em regimes de jornadas reduzidas. Outros alegam que a carga horária semanal de 36 horas pode aumentar custo operacional das empresas.
No entanto, é levado em conta, como já ocorre em vários países, a qualidade de vida do trabalhador. Isso reflete em produtividade. A proposta quer devolver vida para aqueles ligados a setores mais explorados. No entanto, precisa de 171 parlamentares sensíveis à temática. Até domingo, ao menos cem tinham endossado a ideia.
William Robson é jornalista e professor. Doutor em Jornalismo (UFSC) e mestre em Estudos da Mídia (UFRN)