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Cultura

“Houve um projeto de destruição da cultura”, diz Crispiniano Neto

Diretor-geral da FJA falou, em retrospectiva, sobre os acertos e dificuldades encontradas no setor cultural do Rio Grande do Norte
Redação
28/12/2022 | 00:05

O diretor-geral da Fundação José Augusto (FJA), Crispiniano Neto, falou em entrevista ao AGORA RN sobre as conquistas para a cultura potiguar em 2022. O gestor fez um balanço das ações da FJA, apontou as principais dificuldades enfrentadas ao longo do ano e os frutos colhidos. Para Crispiniano, houve uma tentativa de destruição da cultura em governos anteriores, com o fechamento de importantes espaços históricos no Estado.

“Como explicar Biblioteca Câmara Cascudo, cabeça de rede do sistema de bibliotecas do Estado, Forte dos Reis Magos, Teatro Alberto Maranhão, Pinacoteca, Escola de Dança, Papódromo, Museu da Rampa, Memorial de Câmara Cascudo e Museu de Café Filho, Cidade da Criança, Teatros de Mossoró e Caicó, Gráfica Manimbu, além de 28 casas de cultura no interior, tudo isso fechado e/ou com obras paralisadas”, exemplificou o gestor.

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Crispiniano Neto falou sobre reabertura de espaços culturais no Estado - Foto: Joana Lima

Crispiniano comentou ainda sobre orçamento para o setor e diálogo com a classe artística. Confira:

AGORA RN – Para além da Cultura, qual a sua avaliação do Governo Fátima Bezerra?

CRISPINIANO NETO – O Governo Fátima Bezerra representa um tempo de arremetida num momento em que o avião de nome Rio Grande do Norte já tinha embicado e caminhava para um desastre de proporções incontornáveis. Nunca é demais lembrar que tínhamos 4 folhas de pagamento de pessoal atrasadas, num montante que chegava a um bilhão, mais R$ 3,4 bilhões de dívidas com fornecedores e um rombo na Previdência que representava o fim do Fundo Previdenciário de R$ 1,2 bilhão, que, tendo sido “torrado”, deixou de render em aplicações bancárias acabando-se rendimentos de R$ 15 milhões por mês, afora as contribuições patronais, em torno de R$ 17 milhões por mês, que não eram recolhidas ao IPERN. Um rombo de cerca de R$ 5 bilhões, que implicava em R$ 180 milhões por mês para poder pagar os aposentados, mais dívidas em bancos, de empréstimos consignados que o governo anterior descontava do contracheque do servidor, mas não recolhia aos bancos credores deixando o Estado e o Barnabé com os nomes sujos. Tínhamos 3.000 km de estradas esburacadas, a saúde em pânico e a educação em frangalhos. A segurança, antes de Fátima, estava fora do controle com as facções dominando os presídios e espalhando seus tentáculos pela sociedade. Assaltavam-se fóruns, delegacias, cemitérios, igrejas, cabarés e escolas. O mérito de Fátima está em reverter este quadro de queda livre, estabilizar e fazer o Estado voltar a crescer. Acresça-se a este quadro dantesco, uma pandemia, justo no momento do início da recuperação. E ainda o fato de ter um governo federal hostil, com dois ministros potiguares que queriam ver o circo pegar fogo, a ponto de não permitirem nem a presença da governadora nas atividades federais. Não é pouco sair do fundo do poço e retomar o rumo do futuro.

AGORA RN – Como vê este segundo Governo Fátima com a chegada de novos aliados políticos?

CRISPINIANO NETO – É bem verdade que a vitória no primeiro turno nos deixa a impressão de que a governadora poderia ter sido reeleita sem ter que agregar forças conservadoras ao seu bloco. Mas, além do conforto que ela precisava na correlação de forças, tinha que contribuir com a composição nacional para viabilizar a difícil vitória de Lula, que parecia fácil, mas que ficou provado que ele tinha razão quando articulava uma frente muito ampla para não ser surpreendido nas urnas. Ter competitividade numa eleição majoritária é muito difícil, mas ter governabilidade depois que ganha, é ainda mais complexo. A governadora, com certeza, saberá conviver com todas as forças que lhe permitiram a vitória estrondosa que teve. Não podemos esquecer que Dilma chegou a 80% de aprovação, mas não conseguiu administrar a governabilidade e deu no que deu. Fátima é muito experiente e não vai cair na mesma esparrela. Sabe que precisa dos aliados e saberá agregá-los à gestão sem descaracterizar o chamado Modo Petista de Governar.

AGORA RN – Quais as dificuldades que encontrou na FJA?

CRISPINIANO NETO – Costumo dizer que a tragédia que herdamos não pode ser fruto apenas de incompetência e do descompromisso com a cultura. Vai muito além. Avalio que houve um projeto de destruição da cultura potiguar. Como explicar Biblioteca Câmara Cascudo, cabeça de rede do sistema de bibliotecas do Estado, Forte dos Reis Magos, Teatro Alberto Maranhão, Pinacoteca, Escola de Dança, Papódromo, Museu da Rampa, Memorial de Câmara Cascudo e Museu de Café Filho, Cidade da Criança, Teatros de Mossoró e Caicó, Gráfica Manimbu, além de 28 casas de cultura no interior, tudo isso fechado e/ou com obras paralisadas. Muitas dívidas com artistas e fornecedores e os telefones todos cortados. Quero crer que houve uma intencionalidade. Mas tinha também o problema financeiro. De R$ 30 milhões de orçamento anual, R$ 25 milhões eram para a folha, ficando R$ 5 milhões para tudo e mais alguma coisa. Divida isso por doze meses e vamos ter em torno de R$ 420 mil por mês. Diante do caos fiscal/financeiro do Estado só tínhamos direito a R$ 120 mil por mês. Veio a pandemia e nem isso poderia ser garantido. O quadro de pessoal tinha caído de 600 servidores para 200, mas os aposentados continuavam e continuam na folha da FJA. Para atender às Casas de Cultura que vão de Macaíba a Alexandria, tínhamos um Fiat Uno parado, sem os quatro pneus e as quatro rodas, exposto, num quadro dantesco, no pátio do estacionamento, em cima de quatro pedras. Tiramos 20 carradas de lixo da sede da Fundação e mais de 80 da Cidade da Criança. O único carro que rodava era um Gol bem sofrido, locado, mas em fim de contrato. O que se tinha eram as obras do Governo Cidadão, mas estavam todas paradas com dezenas de restrições. Só o Teatro Alberto Maranhão tinha 34 diligências do IPHAN e Ministério Público.

AGORA RN – Quais foram os grandes avanços da atual gestão da FJA?

CRISPINIANO NETO – Em primeiro lugar, voltar a funcionar. Simples assim. Depois podemos comemorar uma política de editais que chegou a 21 deles, com mais de 35 milhões de reais em prêmios, com metade deste valor destinado a nove territórios de cidadania em todas as regiões do Estado, tivemos melhorias significativas na Lei Câmara Cascudo que fizeram duplicar o número de projetos e triplicar o valor captado por ano, dialogamos com os artistas através de 16 câmaras setoriais, triplicamos o número de alunos da Escola de Dança e do Instituto de Música, realizamos dezenas de oficinas de diversas linguagens artísticas em casas de cultura e noutros espaços. Acabamos de aprovar o Plano Estadual de Cultura na Assembleia Legislativa e estamos ultimando os detalhes sobre o Fundo Estadual de Cultura e o Conselho Estadual de Políticas Culturais. Toda equipe tem altos e baixos. A nossa não seria diferente. Mas avalio que no cômputo geral, é muito difícil encontrar tanta dedicação e, em alguns casos, além da competência, muita abnegação.

AGORA RN – Quais os frutos colhidos para a sociedade dos equipamentos culturais reabertos?

CRISPINIANO NETO – O Forte dos Reis Magos recebeu mais de duzentos mil visitantes, o Teatro Alberto Maranhão, mesmo tendo sofrido um forte alagamento que o paralisou logo após a inauguração, já viabilizou quase duzentos bons espetáculos, o Papódromo, com toda a dificuldade que enfrenta na quadra chuvosa já abrigou dezenas de eventos, a Pinacoteca já recebeu mais de dez exposições, a Escola de Dança triplicou o número de alunos, as casas de cultura estão funcionando, mesmo que não estejam a pleno vapor, abrimos uma extensão da Escola de dança em Caicó, a gráfica está sendo reaberta depois de mais de uma década paralisada. O saldo é extremamente positivo. Cremos que a tendência é crescer muito mais, porque agora os artistas estão estimulados a montarem espetáculos, e estão preparados para concorrer aos editais.

AGORA RN – Como foi o diálogo com a classe cultural do RN em sua gestão?

CRISPINIANO NETO – Estabelecemos um diálogo permanente através de 16 Câmaras Setoriais contemplando diversas linguagens artísticas. Sempre que tem algo importante a discutir, elas se reúnem com a direção da FJA. Nos próximos dias estaremos convocando todas as câmaras setoriais para debater os editais da Lei Paulo Gustavo que proporcionará recursos da ordem de R$ 43 milhões para a FJA e cerca de R$ 40 milhões para os municípios. Ou seja, serão mais de 80 milhões de reais para a cultura potiguar. Em seguida virá a discussão da Lei Aldir Blanc-2 que trará mais R$ 32 milhões para a FJA e perto de R$ 30 milhões para os municípios. Além disso, sempre recebemos representantes de segmentos culturais para discutir os interesses.